E chegamos ao último drop de Num Sofá de Bolinhas – Amor e Terapia. Semana que vem, iniciamos as vendas do ebook na Amazon. E em 21/08, as vendas do livro físico! Bom final de semana!
PRA QUÊ? #2
Uou! Pra quê? Penso, penso, e penso. E nada surge… Mas então, arrisco um caminho que desponta. Sem muita convicção, proponho baixinho.
– É o que eu aprendi? É o que conheço? É como sei agir? Pode ser?
– Interessante… Sabe Babi, muitos estudos da psicoterapia de família dizem que o casal é o arquiteto da família. É com nossos pais e neste microuniverso chamado família de origem que aprendemos como o mundo funciona. O que é ser homem, o que é ser mulher, o que é um casamento, como se demonstra afeto, como comunicamos contrariedades, como se vê o mundo do trabalho…
Alice faz uma pausa e, então, segue com seu raciocínio.
– Enfim, através do que observamos e da forma como nossas necessidades infantis são amparadas por nossos cuidadores durante nossa primeira infância, vamos construindo nossa noção de mundo. Provavelmente por isso, é comum que filhos de famílias com relações pouco funcionais, no momento de escolherem seus parceiros, refaçam o mesmo cenário.
E como compreendo isso, Alice! Penso com meus botões, enquanto Alice segue abrindo meus horizontes.
– Ou, ainda, encontrem-se em relações amorosas que não satisfaçam suas necessidades emocionais – como amparo, amor, segurança, cuidado, confiança, lealdade. Muitos estudiosos sugerem que essa “escolha” pode ser uma tentativa de tentar resolver o que os pais não fizeram, ou também uma tentativa de buscar na relação adulta tudo o que a criança não recebeu lá atrás… Isso não é uma regra geral, Babi, até porque elas não existem. Mas é algo bastante comum. Tu achas que isso tem a ver contigo?
Uau! Sim, para minha tristeza, tem tudo a ver.
Definitivamente, dialoga comigo. Não há como discordar.
– Nossa, Alice… Tem sim. E muito! Como é que eu nunca tinha percebido isso? Caracas! Meu ex-marido e o próprio Rô, com que vivi maior intimidade, foram tentativas de mudar, mas que não deram certo…
– E tu achas que alguma parte deste “modelo nó” tu conseguiste desatar através das reedições de cenários?
Diante das palavras de Alice, uma luz acende e reajo, disparando em alto e bom som.
– Eu não tolerei a traição do Rafa, a exemplo da mãe com o pai. E, para horror dela, separei e nunca escondi de ninguém que fui chifrada pelo meu ex. Aliás, sempre falei abertamente sobre isso.
– Ótimo, Babi! E como te dar conta disso te faz sentir?
Olho para a psicóloga e não sei o que dizer. Uma mistura de alívio e orgulho se mescla à tristeza que a lembrança daquele que aquele fim trouxe a tudo que o casamento representava em minha vida. Com a voz embargada, digo:
– Sim, Alice, tal qual meu pai foi uma tábua de salvação para minha mãe diante da escassez de recursos e da pobreza, o Rafael foi a minha na busca do afeto de Dona Adriane. E, ao não fazer vistas grossas à traição, como minha mãe sempre fez com o pai, eu desatei um nó, sim.
Sem conseguir mais conter, sinto as lágrimas escorrerem em meu rosto. E minha psicóloga apoia e incentiva com muita empatia o meu desabafo.
– Bota pra fora esse choro. É bom. Eu gosto de todas as tuas emoções.
Estico um braço em direção à mesa, em busca da caixa de lenços de papel, enquanto Alice espera pacientemente que os sentimentos aquietem um pouco mais. Olho, então, para ela e murmuro:
– Me enche de orgulho não ter aceitado ficar em um casamento emocionalmente decadente com o Rafa só para manter o status quo. Mas também me sinto vazia, oca, devastada, Alice. E consternada, por compreender o quanto esmolei afeto dos meus ex…
Um soluço me interrompe e espero o choro acalmar para finalizar.
– É como seu eu não tivesse valor algum e aceitasse qualquer demonstração de afeto, Alice… Muito triste isso, né? – digo ainda, com a voz rasgada pelo nó de sentimentos que me toma.
Compreensiva, minha terapeuta aguarda alguns minutos e, então, retoma o diálogo e o caminho.
– Sabe, Babi, é importante tu teres reconhecido que, mesmo em sofrimento, tiveste conquistas, conseguiste resolver o “nó” da infidelidade na tua última relação. Mas quero voltar a um ponto ainda não traduzido.
Curiosa, olho para minha psicóloga sem compreender a que ela se refere. Instigada, escuto suas palavras:
– Pouco antes de começares a chorar, Babi, tu falaste em sentir que não tens valor, unido a um vazio interno e ao comportamento de aceitar somente esmolas. Fiquei com a sensação de que isso te tocou fundo e provocou o teu choro…
Fecho os olhos e penso no que acabamos de viver. E, em um sussurro, concordo:
– Sim…
Ao ouvir minha resposta, Alice propõe delicadamente:
– Então, tenta te concentrar nestes sentimentos e nos teus pensamentos sobre isso e me fala sobre eles.
Suspiro longamente e, com a voz ainda embargada pelo choro, tento expressar o que nem eu compreendo:
– Difícil explicar essa mistura de sentimentos, Alice. De não ser boa o suficiente para os meus pais ou merecer o carinho e o amor dos meus afetos… É tristeza. É pesar. Mas é raiva. E revolta.
À medida que vou falando, a mistura de sentimentos se alastra sobre o meu corpo, esquentando minhas vísceras e profundezas. Em minhas entranhas, sinto que esta mescla de emoções começa a ganhar forma. E, verborrágica, começo a cuspir o que me exaspera.
– Nossa! Meu coração disparou agora. Sabe o que eu me dei conta? Que tudo que eu sempre quis foi ser vista, acolhida, reconhecida e validada pelos meus pais. E que esse mesmo desejo sempre foi muito presente nos meus relacionamentos.
Agitada, a voz sobe um tom e gesticulo mais.
– Por isso, eu me transformava e me adequada às necessidades dos meus parceiros. Com o Andrew eu fiz isso… Mudei minha alimentação, minhas rotinas, minhas roupas e até meu comportamento. E o que recebi em troca? Uma linda e gigantesca traição e um coração partido… E com o Rafa, então? Por essa mesma razão eu me dedicava tanto em ajudá-lo e queria até resolver a vida dele!
Pauso e silencio por mais alguns instantes, que se revelam terra fértil para compreensões que vão se sobrepondo uma após a outra. Percebo que a ausência de palavras é capaz de expressar tanto quanto a presença de frases e sentenças articuladas para Alice, que me observa com olhos atentos e sábios.
Quando retomo o diálogo, estou tão chocada diante do que percebi que volto a soltar o verbo, colocando pra fora todas as minhas conclusões de um só fôlego.
– Todos os foras que eu levei são fruto dessa minha necessidade de me sentir valorizada, né? Ou seja, eu escolhi homens que, apesar de parecerem querer se conectar, eram tão indisponíveis afetivamente como meu pai. Parceiros que não me deram o afeto que eu tanto queria e necessitava, e assim reproduzia a história familiar. E, ao sentir que a intimidade de fato não aconteceria, eu me desesperava. Só que, ao invés de romper o relacionamento nada saudável, eu me achava tão incapaz de ser amada, tão menos e não merecedora de afeto, que imediatamente eu pensava não ser boa o bastante ou digna de amor. E, por isso, acabava culpando a mim, e não meus parceiros ou os contratos falidos das nossas relações, pelo fracasso em estabelecer esta conexão. E como fracassar é um verbo inexistente no vocabulário dos meus pais…
Com um suspiro, pauso para tomar ar. Mas logo volto a expulsar o que compreendi. O que vai me deixando mais exaltada. E muito indignada.
– Agora compreendo que nunca apostei ou quis uma relação onde houvesse troca de afeto de igual para igual, sabe? Claro! Eu sempre me moldei ao modus operandi deles porque, só assim, eu poderia ser capaz de ser amada por eles. O que, na real, lá no fundo, é o que eu sempre quis dos meus pais. Ser amada por eles…
Suspiro desolada, sentindo a indignação se transformar em algo mais doloroso, triste, que comprime meu peito e forma uma bola na minha garganta… E a conclusão sai num lamento sussurrado, um murmúrio engasgado.
– Ai, Alice… Foi esse medo de ser mais e mais rejeitada, que senti a vida inteira, que me fez aceitar esmolas de afeto de todos os meus ex estes anos todos, não é? Foi por isso que eu nunca me achei merecedora do amor de ninguém?
– Repete a tua pergunta, Babi, falando ela em forma de afirmação – responde minha terapeuta.
Faço o que ela pede num sussurro que inunda meu peito e minha mente de pesar, diante da triste constatação.
– Foi o medo de ser mais e mais reprovada por meus pais que me fez aceitar esmolas de afeto de todos os meus ex nestes anos. Foi por isso que eu nunca me achei merecedora do amor de ninguém.
Não consigo mais segurar as lágrimas, que insistem em transbordar o que sinto.
– De 0 a 10, sendo zero nada verdade e 10 totalmente verdade, o quanto ela é verdadeira para ti, Babi?
Chorando, concluo.
– Dez.
Me conduzindo por um caminho pedregoso, com cuidado e gentileza, mas muita firmeza também, Alice faz despertar uma nova compreensão. E ainda mais lágrimas.
– Babi, quando visto a tua pele, penso que carregas dentro de ti uma menina que sente que não vai receber do outro o afeto que precisa.
Aceno em concordância. Sim, é exatamente assim. E isso dói.
– Sinto também que a tua menina se sente falha. Que essa imperfeição que ela parece sentir não se conecta com a tua capacidade de executar funções, até porque tu tens um excelente desempenho nas coisas de ordem prática da tua vida. Falo de um sentimento de defectividade, ligado a algo mais profundo, intrínseco. E de um sentimento de privação, como se uma parte tua acreditasse nunca ser capaz de receber um grau de afeto adequado para tua necessidade.
À essas alturas, meu corpo todo treme, de tanto que soluço.
– E toda vez que tua menina aparece sentindo isso, tua tendência é te auto sacrificar, colocando as necessidades dos outros na frente das tuas, ou te subjugar, aceitando determinados comportamentos para evitar críticas ou retaliações. Nesse ciclo estabelecido parece que tua criança se desespera para ser aprovada e, não conseguindo isso, mesmo com todo esse sacrifício, perpetua o sentimento de privação e defectividade. Isso parece verdade para ti?
De novo, Alice acerta em cheio. E murmuro um sim, chorando o dobro, sentindo a tristeza de quatro décadas rasgar meu peito e se alastrar por todo o corpo, das entranhas à garganta, sufocando minhas palavras e me deixando sem oxigênio e chão.
– Estou vendo, Babi, o quanto te dar conta disso te impactou…
Preciso algum tempo pra conseguir murmurar minha resposta.
– Muito, Alice… Por demais! Drenada é como me sinto neste exato momento. É tanta coisa pra colocar no lugar na minha cabeça e no meu coração… Não tenho condições de fazer nada agora… Podemos ver isto na semana que vem?
– Claro! Estás percebendo que chegaste no teu limite por hoje – confirma Alice.
Pego alguns lenços de papel que estão na caixa sobre a mesa e assoo o nariz, congestionado por tanta emoção. Alice me dá alguns instantes, antes de voltar a falar.
– Percebo que nossos encontros tem sido bastante mobilizadores e que, ao contrário do que aconteceu em teus relacionamentos, estás te entregando sem medo e ousando te ver e mostrar de verdade no teu vínculo comigo. Vejo dois comportamentos muito saudáveis acontecendo aqui e agora: tu consciente e me comunicando de forma efetiva e funcional o teu limite, o que me ajuda imensamente a compreendê-lo e respeitá-lo; e tu te dando a chance, e a mim a honra de compartilhar dessa entrega. Estamos em um bom caminho, Babi!
Exausta pela enxurrada de emoções que me toma, apenas aceno com a cabeça, concordando. E Alice, então, prossegue.
– Hoje tivemos uma sessão forte, que mobilizou bastante emoção, Babi. Será normal te sentires fragilizada durante a semana. Se durante o intervalo entre as consultas tu avaliares que fazer contato comigo vai te fazer sentires melhor, me acessa. Eu estou à tua disposição.
Sinto meus olhos quentes novamente e as lágrimas voltam a correr bochechas abaixo. Emocionada, sussurro em um fio de voz:
– Obrigada, Alice. As tuas palavras me tocaram muito hoje…
– Tu estás bem para dirigir, querida?
– Sim, estou
Enquanto respondo, me levanto e me despeço de minha terapeuta com um abraço.
– Não esqueci a pergunta que te fiz na consulta passada, Babi, mas achei necessário retroceder um degrau hoje. Acho que nossa conversa pode trazer uma nova luz à questão que te fiz: o que tu precisa em um relacionamento?
Aceno com a cabeça e prometo pensar nisso para a próxima consulta. Escondendo os olhos ainda inchados sob os óculos escuros, deixo o consultório de Alice e caminho rumo ao estacionamento. Mal percebo o murmurinho no centro de Novo Hamburgo, entregue que ainda estou às conclusões da sessão. Assim que entro no carro, coloco a chave na ignição e, sem mais conseguir conter as lágrimas, começo a chorar outra vez.
Sim, será um longo retorno. Um trajeto que parecerá bem maior do que os 43 km que me separam do meu loft, nesse momento meu porto seguro, no Moinhos de Vento.
Ligo o som, mas não presto atenção no que toca. Sigo pensando no temporal de insights vivido minutos antes no consultório de Alice e na exaustão que sinto neste instante.
Como previ, demoro mais que o normal para chegar a Porto Alegre.
Assim que entro no meu apartamento, vou para o banho. Uma chuveirada de água morna me acaricia e conforta. Volto para sala e ligo a TV para me distrair. E quando me deparo com John Mayer cantando a linda Daughters, não consigo controlar a emoção.
Pais, sejam bons com suas filhas
Elas irão amar como vocês amam
Meninas se tornam amantes e depois mães
Então mães sejam boas com suas filhas também
Dessa vez, quem chora é a minha menina que por anos e anos e tantas vezes se sentiu defeituosa, defectiva, errada, e sempre tão carente e mendicante de amor. A garota que, até hoje, se julga imperfeita. Abraço uma almofada como se abraçasse a criança que fui, acarinhando e nutrindo essa garota que me tornou a mulher e a amante que sou hoje.
ATUALIZAÇÃO DA BABI!
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