Desde que se mudara para Porto Alegre há seis meses, o Boteco do Padre era o local predileto de Eduardo, em especial no happy hour. Gente bonita e descolada circulando entre as mesas, um chopinho dos mais gelados e uma picanha na chapa de comer de joelhos era uma combinação que fazia do local um dos mais badalados da cidade, inverno e verão. Eduardo logo se tornou amigo do gerente. E, conseqüentemente, um cliente preferencial – ou VIP, como ele costumava dizer – do descolado bar da rua Padre Chagas, no arborizado bairro Moinhos de Vento.
Naquela semana abafada de janeiro, Porto Alegre estava em ebulição, pensava Eduardo. Eram pilhas de gente de todos os lugares do planeta, falando nas mais diversas línguas, uma verdadeira torre de Babel. Tudo em função de um Fórum Mundial que se realizava na cidade. Entre os lugares concorridos, estava o Boteco do Padre.
Ainda havia mesas vazias quando Letícia e suas amigas chegaram ao tal Boteco do Padre. Ela participava de um encontro de procuradores da União, evento paralelo ao Fórum Mundial que acontecia na cidade. O garçom ofereceu uma no deck, próxima a um rapaz que entoava músicas em um violão, fazendo ainda mais agradável aquele entardecer.
– Essa é muito próxima ao som – reclamou uma das amigas – Vamos gritar e não conversar!
O garçom, então, ofereceu uma segunda opção, ainda no deck, porém mais próxima da calçada. Oferta que também foi recusada devido ao forte cheiro que emergia de um bueiro localizado exatamente ao lado da mesa. A terceira oferta, por sua vez, foi declinada por estar extremamente próxima a outra mesa, lotada de pessoas.
– Não quero ninguém ouvindo a nossa conversa – protestou a advogada, desapontada, procurando por outra opção ao redor. Foi quando avistou a opção ideal, no movimentado pátio interno do boteco.
– Queremos aquela ali, a número 43 – disse, apontando para uma simpática mesinha que ficava na área externa sob as estrelas.
– Sinto muito! – respondeu o garçom – Mas aquela ali tem dono. Que dizer, tem reserva… Já está reservada – gaguejou.
– Como assim, tem dono? – perguntou, indignada, Letícia.
– É reserva de um cliente VIP nosso, o Seu Eduardo – explicou sério o garçom – Ele vem todos os dias aqui – justificou, constrangido – Mas olha só, temos essa outra aqui, também na rua e bem pertinho – apressou-se em oferecer outra mesa, querendo resolver a situação.
– Não, eu quero a 43 – bateu pé Letícia.
– Sinto muito. A 43 não dá – conclui o garçom, taxativo.
Bastante incomodada, mas sem disposição pra criar mais confusão, Letícia e as amigas acabaram aceitando a oferta e rumaram para a mesa oferecida. Assim que sentou, Letícia passou a observar o lugar e seu olhar foi logo atraído para a torre que ficava no alto da antiga casa que abrigava o bar. Lá, numa janela de vidro, uma grande imagem de Santo Antônio parecia abençoar quem ali estava.
Claro que Letícia não perdeu a oportunidade de fazer uma oração ao santo casamenteiro. Afinal, em tempos de incerteza, como aquele que a advogada vivia, as pessoas buscam conexão com algo maior que nós, que nos dê perspectiva e traga sentido para a vida.
Assim que pediram suas bebidas, Letícia e suas amigas começaram uma conversa animada. Menos de meia hora depois, a advogada viu que a mesa 43 estava sendo ocupada. Curiosa, espichou o olho para ver quem era o tal cliente de tamanho prestígio junto à equipe do bar, o tal Seu Eduardo. Havia dois homens sentados. Qual dos dois seria ele?
Eduardo, por sua vez, reparou que a morena bonitona da mesa à frente ficara olhando. E interessou-se, afinal ele tinha fascínio por morenas. Observou com mais atenção e encantou-se com a formosura dela. Sem disfarçar, não tirava mais os olhos de Letícia, que percebeu o flerte. Porém como a autoestima da advogada ainda andava em baixa, logo ela pensou que a paquera era com uma de suas amigas gaúchas. “Imagina que é comigo”, repreendeu a si.
Uma intensa troca de olhares, mesclada aos papos animados em seus respectivos grupos, seguiu-se nas próximas horas. Faltava pouco para as dez horas, quando uma das garotas foi embora. No que viu uma das amigas de sua paixonite levantar, Eduardo não perdeu mais tempo. Abandonou a disputada mesa 43 e, em passos largos e decididos, caminhou em direção a Letícia.
– Oi! Posso sentar? – perguntou, sem rodeios, indo direto ao assunto.
– Não – disse levemente alcoolizada Letícia, para decepção de Eduardo – Mas se você me convidar pra sentar com você na mesa 43, eu aceito. Porque é onde desejávamos sentar, e o garçom não deixou.
Eduardo soltou uma risada divertida. Tinha gostado ainda mais dela, depois dessa réplica espirituosa. Adorado, na verdade. Sem demora, convidou Letícia e a amiga para se unirem a ele e ao amigo na mesa 43.
Continua na próxima quinta-feira.
Imagem: Grafxart /Unplash
Ah, essa história, escrita lá em 2004, estava guardada numa pasta. Dei uma atualizada e resolvi compartilhar aqui com vocês pra brincar com a ideia da mudança. Com as possibilidades que a vida nos apresenta. 😉
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